Se veja como Nietzsche e eu como Breuer.
"(...) Quando se trata de aprender a me relacionar com os outros, tenho de começar do zero.
(...) Tenho uma idéia de como pensamentos indignos invadem e possuem sua mente. Porém eles são mesmo assim seus pensamentos e se trata de sua mente. Pergunto-me: que benefício desfruta em permitir que isso ocorra, ou, em termos mais incisivos, em fazer com que ocorra. (...)
- Fazer com que ocorra? Não sei. Tudo que posso dizer é que, do meu interior, não o sinto dessa forma. (...)
Mas no tocante às mulheres ele é bárbaro, quase inumano. Qualquer que seja a mulher ou situação, sua resposta é previsível: a mulher é predadora e maquinadora. Seu conselho sobre as mulheres é igualmente previsível: culpe-as, puna-as! Faltou um item: evite-as! (...)
Seus problemas clamam por atenção apenas para obscurecer aquilo que não deseja enxergar. Pensamentos mesquinhos infiltram sua mente como um fungo. Eles acabarão degenerando seu corpo. (...) o que veria se não estivesse cego por trivialidades? (...)
Imagino que tens idéia do que desejo? - mas esse silêncio forçado é quase sufocante, porque gosto de você (...)
Claro estava que o debate racional com ele era desaconselhável; jamais conseguiria derrotá-lo ou demovê-lo de sua posição. Talvez ele se saísse melhor com uma abordagem impulsiva e irracional. (...)
Preciso ser capaz de revelar tudo de mim para outrem e saber que também eu sou simplesmente humano (...) Humano, demasiado humano! (...)
Não posso ficar sentindo que preciso ter cuidado com o que lhe revelar (...)
- Não sei exatamente o que quero dizer. Sei apenas que me senti melhor. Naquela noite não fiquei acordado na cama sofrendo de vergonha. Desde então, tenho me sentido mais aberto, mais pronto a empreender uma investigação de mim mesmo. (...)
- Estou certo de que conseguiria me expressar mais honestamente se estivesse certo de sua aceitação. (...) me ajudaria saber que você também experimentou esses sentimentos. (...)
O amante não é alguém que ama: pelo contrário, ele almeja a posse exclusiva da amada. Seu desejo é excluir o mundo inteiro de certo bem precioso. Ele é tão egoísta como o dragão que guarda o tesouro! Ele não ama o mundo; pelo contrário, é totalmente indiferente às outras criaturas vivas. Você próprio já não o disse? (...) Por isso ficou satisfeito quando ela disse que você seria pra sempre o único homem da vida dela! (...)
E suas próprias experiências neste domínio? (...) Nossa responsabilidade para com a vida é criar o superior, NÃO REPRODUZIR O INFERIOR. Nada deve interferir com o desenvolvimento do herói dentro de você. Se o desejo impede, ele também precisa ser superado. (...)
O que preciso agora - prosseguiu - não é uma declaração abstrata e poética, mas algo humano, direto. Preciso de envolvimento pessoal: você pode compartilhar comigo suas experiências? (...)
Breuer se acomodou desanimado de volta à sua cadeira. Obviamente, Nietzsche continuaria ignorando suas perguntas. (...)
O espírito de um homem se constrói a partir de suas escolhas (...) Uma árvore precisa enfrentar tormentas para alcançar uma altura digna de orgulho (...) É preciso ter caos e frenesi dentro de si para dar à luz uma estrela dançante. (...)
O que estaria pensando se não estivesse ocupado com esses pensamentos estranhos? Por favor, relaxe, feche os olhos e tente essa experiência imaginária comigo:
- Encarapitemo-nos bem longe, talvez no pico de uma montanha, e observemos juntos. Lá, bem ali, ao longe, vemos um homem, um homem com uma mente inteligente e também sensível. Observemo-lo. (...) Talvez tenha visto demais! (...) Seu temor foi cruel e terrível (...) por conseguinte abrigou em sua mente um competidor implacável, logo expulsou todos os demais pensamentos (...) Ele deixou de olhar a distância, despendendo seu tempo rememorando (...) Logo, todo seu ser era consumido por tal insignificância. Os grandes bulevares de sua mente, abertos para o trânsito de idéias nobres, ficaram entulhados de lixo. Sua lembrança de ter outrora pensado grandes pensamentos foi se enfraquecendo até desaparecer (...) restou apenas uma ansiedade torturante de que algo se extraviara. Intrigado, procurou pela fonte de sua ansiedade entre o lixo de sua mente. Assim o encontramos no momento atual, remexendo o lixo, como se este contivesse a resposta. Chega a me pedir para remexer junto com ele!(...)
Diga-me, o que você acha desse homem que observamos?(...) Não vê que o problema não está no seu sentimento de desconforto? (...) Não, o problema não está no desconforto. O problema é que você sente desconforto pela coisa errada! (...)
Coisas estranhas aconteceram em nossa conversa. Nenhuma delas conforme eu planejara. (...) Ele desempenha seu papel de conselheiro tão solenemente, que às vezes acho-o cômico. No entanto, vista da perspectiva dele, sua conduta é inteiramente correta (...)
Até agora, porém, carece estranhamente de imaginação e se fia completamente na retórica. Acreditará realmente que a explicação racional ou a mera exortação curará o problema? (...)
Desse modo, devido aos temores sociais e à misantropia, Nietzsche escolhe um estilo impessoal e distante. É claro que está cego para isso: o que faz é desenvolver uma teoria para racionalizar e legitimar o enfoque de seu aconselhamento. Assim, não oferece nenhum apoio pessoal (...) perora para mim de uma plataforma elevada, recusa-se a admitir seus próprios problemas pessoais e não se dirige a mim de uma forma humana (...)
É-lhe importante deter o controle. Vislumbro vários sinais de que se sente vitorioso: diz-me o que tem a me ensinar (...) Tudo isso é irritante! (...)
Tento lhe ensinar que os amantes da verdade não temem águas tempestuosas ou curvas. O que tememos são águas rasas! (...)
Diagnostico-o como alguém que deseja ser um espírito livre, mas não consegue se libertar dos grilhões da crença. (...)
Em que você pensaria se não estivesse preocupado com fantasias dela? (...) O que há por detrás dela? Sei que existe um fluxo de preocupações mais profundas, que estou convencido terem se intensificado alguns meses atrás (...)
Quando medito em como busquei besteiras, em como desperdicei a única vida que possuo, um sentimento terrível de desespero me domina. O que deveria ter buscado em seu lugar? (...) Esta é a pior parte! A vida é um exame sem respostas certas. (...)
Sim, tudo que você diz é verdade, exceto sua insistência em que escolhi de forma deliberada. (...) Foi um acidente da história. (...)
Sinto uma paixão por tal conversa, mas uma voz interna não para de me perguntar: "Estamos chegando em algum lugar?" Nossa discussão é etérea demais, distante demais da opressão no meu tórax e do peso em minha cabeça. (...)
Você me inspirou a ser mais paciente comigo. Se você tem interesse suficiente para me perguntar, tenho certamente que encontrar a determinação para lhe responder. Sim, AQUELE FOI UM ANO DE CRISE, minha segunda crise. (...) sei que devo ser honesto. Entretanto, ainda é um ponto doloroso. Eu não queria falar a respeito, porém, foi exatamente a afirmação que você selecionou. (...)
Breuer despencou na cadeira. "Não, de novo isso?" - pensou (...) Mas qualquer que fosse a razão, foi a primeira ferida da mortalidade. (...) Subitamente entendi o fato mais óbvio da vida: que o tempo é IRREVERSÍVEL. (...)
Por favor, revise nossa discussão. Medite sobre ela! (...)
{sobre as ofensas} Hoje seu método está mais claro para mim. (...) o intento dele é confrontar-me, trazer à tona, provavelmente aumentar ainda mais minha aflição. Daí ele aguilhoa sem dó e não oferece qualquer ajuda. Dada sua personalidade, é claro que não tem nenhuma dificuldade em fazê-lo. Ele parece acreditar que um método de discussão me afetará. (...) O desagradável e irritante é sua grandiosidade, que se manifesta repetidamente. (...)
Se sofro muito é irrelevante (...) Jamais lidei com uma pessoa como tu: honesta e justa em questões miúdas por teimosia geralmente. Na escala maior, toda a postura para com a vida semm qualquer sensibilidade pelo dar ou tomar para com os benfeitores. (...) egoísmo infantil (...) ardiloso, cheio de autodomínio (...)
{antes disso tudo} Parecia contente com sua vida. Contou para Breuer não apenas que seus dias eram agradáveis e livres da dor, mas também que as conversas diárias entre eles estavam sendo produtivas.
{voltando à briga} (...) Breuer estava exausto pelo tormento psicológico que se auto-impusera (...) Nietzsche o instou a confrontar questões existenciais de sua vida (...) Se Nietzsche realmente quer que eu me sinta mais miserável, deve estar satisfeito. (...)
A ansiedade o oprimia. Não conseguia se libertar da pressão no tórax (...) todavia; por mais que tentasse, não conseguia exalar a tensão que o oprimia. (...) acometido de sonhos terríveis e de grave insônia (...)
Nietzsche supostamente ali para ajudá-lo, pouco o confortava. Ao descrever sua angústia, Nietzsche a descartava como trivial: "É claro que você sofre, é o preço."(...)
{válvula de escape na crise} As fantasias foram uma tática diversionista por parte da mente - uma das táticas de "caminho de fundos" da mente - para evitar encarar preocupações existenciais bem mais dolorosas que clamavam por atenção. {fim da última relação}
{no instante atual} (...) Seus interesses coincidem? O AMOR PERDURARÁ? (....) Quando estava em casa não conseguia olhar sem sofrer de paradoxismos (...) Nietzsche parecia ir bem. (...) Breuer passou a reconhecer plenamente seu próprio desespero. (...) Era estimulante desabafar-se, compartilhar todos os seus piores segredos, contar com a atenção exclusiva de alguém que, na maior parte do tempo, entendia (...) Não havia mais dúvida em sua mente quanto ao poder de Nietzsche de curá-lo. (...)
E Nietzsche como pessoa? Nosso relacionamento (...) certamente ele me conhece melhor, ou ao menos sabe mais sobre mim, do que qualquer outro no mundo. Gosto dele? Ele gosta de mim? Somos amigos? Breuer estava em dúvida sobre todas essas perguntas - ou sobre se conseguiria se preocupar com alguém que permanecia tão distante.
{eu, por Lou} "Sou impetuosa demais; muitas vezes não consigo escrever com antecedência porque não planejo com antecedência. Tomo decisões rapidamente e passo para a ação rapidamente. (...) Cartas de Nietzsche tão selvagens, raiovosas e confusas, que às vezes parece ter enlouquecido. (...) Perdoa-se aos amigos com mais dificuldade do que aos inimigos (...) Ademais, sou apenas humana... todos esses ataques contra mim, amargos e dolorosos... não posso simplesmente ignorá-los."
{disse Nietzsche sobre Lou enraivecido} "Uma mulher sem sensibilidade... sem espírito... incapaz de amar... irresponsável {'sua cabeça poderia ter ido a prêmio', lembra?} rude em questões de honra."
{Lou com sensatez} "- Sei que muito do que Nietzsche escreve é impulsivo, escrito com raiva, escrito para me punir. (...) Ele realmente me odeia? Ele me vê como tal monstro? (...) Não sou uma estranha para ele (...) Certamente sou digna de conhecer o resultado de meus esforços {quem era gélida e conseguiu se abrir}
(...) Nietzsche foi importante para mim... CONTINUA sendo importante (...) -A voz dela ficou mais aguda - Eu também estou sofrendo (...) e meu sofrimento? Não conta nada?"
{de volta Breuer} Aposto um dinheirão como você já viveu uma experiência similar. {a de 30 anos} Por que não compartilhá-la comigo, de sorte que ambos possamos conversar honestamente como iguais? (...) Quando lhe pedi para observar a si mesmo de uma grande distância, uma perspectivaa cósmica sempre atenua a tragédia. Se subirmos bastante, atingiremos uma altura da qual a tragédia deixará de parecer trágica (...) Perdoe-me se pareço impaciente, mas existe um fosso, um imenso fosso, entre saber algo intelectualmente e sabê-lo emocionalmente. (...)
A mesma situação, os mesmos dados dos sentidos... mas duas realidades! (...) Veja a sua realidade. Uma boa olhada poderá mortrar quão transitória, quão absurda ela é! Veja o objeto de seu amor... que homem racional conseguiria amá-la? Por que você a insulta tanto? (...) É bem verdade que ela está "doente" mas sua "doença" não é tudo nela. Ela também é uma mulher belíssima. Ela é inteligente, talentosa, altamente criativa... uma boa escritora, uma arguta crítica, gentil, sensível e carinhosa. (...) Isso é amor? (...) Garanto-lhe que você não conhece essa mulher. Você a julga por outras que conheceu. Mas está enganado. O que você ganha ridicularizando-a? Quando se trata de mulheres, Friederich, você é duro demais. (...) Libere seus sentimentos (...) É-lhe fácil atacá-la. Caso pudesse vê-la, garanto que suas palavras seriam outras. (...) Friedrich, o que você está fazendo? Nunca o vi assim! Por que está levando as coisas para o extremo? (...) Acredito que seu tormento advém do ressentimento soterrado (...) Não há nenhuma maldade nela!(...)
Não consigo me remover emocionalmente do centro de minha situação. NÃO CONSIGO ME DISTANCIAR O SUFICIENTE. (...) Ele também enfatiza grandemente a experiência da raiva (...) Creio que tenha dentro de si um vasto reservatório de raiva. Por quê? (...) Ele é um mestre nos insultos (...) É fácil para ele, mas não para mim. (...) Gostaria de lhe dar meu apoio (...) De onde tira essas idéias? Parece dispor de um estoque infindável delas. (...)
MELHOR ATRAVÉS DO SILÊNCIO? OU RECONHECENDO QUE AMBOS ESTAMOS IGUALMENTE AFLIGIDOS E TEMOS QUE UNIR FORÇAS PARA ENCONTRAR UMA SOLUÇÃO? (...) Hoje vejo o quanto ele mudou e não mais tenta me adular (...) é a mais terrrível chafurdice em águas rasas que jamais empreendi. (...) Está rebaixando-o. E me rebaixando também! (...) HÁ DE EXISTIR UM CAMINHO MAIS ELEVADO!
(...) Gostaria que pudesses te elevar diante de mim de modo que não tivesse que te desprezar. Que tipo de cartas estás escrevendo? Colegiais ávidas por vingança escrevem assim! (...) ainda estamos a uma longa distância do perdão. (...) Não fui eu quem criou o mundo e gostaria de ter criado, então, conseguiria supportar terem as coisas entre nós tomado o rumo que tomaram. (...)
Não estamos chegando a lugar nenhum, Friederich. Estou piorando. (...) minha aparência externa é enganadora (...) eu também me sinto desanimado. Nossas últimas sessões foram superficiais. (...)
Esta tensão aqui em meu peito cresce a cada minuto que estou sentado aqui. Logo, explodirá. Não vejo uma forma racional de expulsá-la. (...)
Feche os olhos e tente descrever o que vê sob as pálpebras. Apenas deixe os pensamentos fluírem, não tente controlá-los. (...)
Talvez sejamos mais semelhantes do que pensamos! Breuer fechou os olhos. Que bom sentir-se tão próximo de Nietzsche. Lágrimas jorram-lhe os olhos (...)
{o que me dizia antes} Você é adorável.(...) Não é uma gracinha? Não é um amor? Vou abraçá-la e confortá-la. (...)
Retroceda no tempo. A sua memória contém tal sorriso? (...) Procure! COntinue observando esse sorriso em sua imaginação e vmaos ver o que aparece (...) ESQUECEU DO SORRISO? (...) Como as imagens dos sonhos não morrem, era um lugar onde eu perduraria para sempre! (...) Para onde estão indo seus pensamentos agora? (...) A mulher mais desejável é a mais assustadora. Não, é claro, devido ao que é, mas DEVIDO AO QUE FAZEMOS DELA. Muito triste! Triste para a mulher que nunca é conhecida, e triste, também, para o homem. Conheço essa tristeza.(...)
Outra coisa, talvez a mais importante, é o sentimento INEFÁVEL que tinha ou que tenho ao pensar nele (...) aquele foi o melhor, mais vital período de minha vida. Pensava nele o tempo todo, sonhava com ele de noite. (...) Um estranho amor: ambos nos aquecemos na radiância da magia um do outro! (...) Hoje, todo o rumo ode nosso trabalho mudou (...) temos que voltar para o significado. (...) é também paixão e mistério e magia. (...) Ela lhe proporciona grande vitória sobre todos os competidores, através do amor perdurável, da companhia eterna e da existência perene nos sonhos dela (...)"
Quando Nietzsche Chorou - Irvin D. Yalom
Eu sei o que eu te falei hoje, mas como diz o livro ainda: "Embora as pedras não ouçam nem consigam ver, todas suplicam tristemente para não as esquecer."